A fermentação malolática (FML) é a transformação de ácidos málicos presentes na uva em ácidos lácteos pela ação de bactérias lácteas. Essa fermentação é considerada secundária no processo de vinificação e resulta na redução da acidez do vinho. Conjuntamente, a fermentação malolática atribui uma textura mais cremosa, aromas e sabores lácteos e amanteigados que podem ser percebidos quando fazemos a análise sensorial.
Escrito por Paula Daidone - Sommelière e especialista em marketing de vinhos
Como ocorre a fermentação malolática?
Quimicamente falando, as bactérias láticas promovem a degradação do ácido málico (C4H6O5) por meio da ação de enzimas. Resultando na produção de ácido lático (C3H6O3) e dióxido de carbono (CO2). Paralelamente, a ação das bactérias agrega, em menor proporção, outras substâncias que ampliam o caráter aromático do vinho. Por exemplo: acetaldeído, ácido acético, diacetil, acetoína e 2,3-butanodiol.
A ocorrência da fermentação malolática é um processo originalmente natural e que surge durante a elaboração do vinho. Ela ocorre, em grande parte dos casos, de maneira espontânea conjuntamente à fermentação alcoólica, por meio da ação de bactérias lácteas indígenas (que estão presentes no ambiente).
No entanto, essa ocorrência espontânea muitas vezes é inibida por conta da presença massiva de leveduras utilizadas para a fermentação alcoólica. Com isso, grande parte do ácido málico encontra-se preservado após a fermentação alcoólica, sendo necessário um processo secundário dedicado à fermentação malolática.
A aplicação da fermentação malolática no processo de vinificação é um artifício relativamente recente, incorporado a partir dos anos 50. Antes disso, devido à falta de compreensão do processo químico, a fermentação malolática era compreendida como um problema e era evitada com adição de sulfito ao vinho logo após a fermentação alcoólica.
Saiba quais são os defeitos do vinho
Com o advento dos estudos sobre a ação das bactérias os enólogos compreenderam que a aplicação da malolática representava uma alternativa rápida e barata para “arredondar” a acidez do vinho.
Importância da fermentação malolática na produção de vinhos
A fermentação malolática é muito importante para amaciar e reduzir a acidez dos vinhos. Principalmente quando falamos de vinhos de regiões mais frias como Bordeaux e Champagne, na França. Nessas regiões, o clima proporciona a obtenção de uvas com alto teor de ácido málico, sendo frequentemente necessário um processo de “arredondamento” do vinho por meio da malolática.
Por outro lado, os produtos derivados da ação das bactérias podem enriquecer os aromas e sabores do vinho. A influência dessas substâncias nas características organolépticas do vinho são muito estudadas pelos enólogos. Por exemplo, o diacetil é responsável pelas notas amanteigadas que frequentemente observamos nos vinhos.
Parte da decisão por fazer a fermentação malolática está associada ao estágio de maturação da uva. Uvas imaturas, mais verdes, têm maior quantidade de compostos málicos do que uvas já maduras. Então, quanto mais madura a uva estiver, menos presença de ácido málico terá. Naturalmente, quanto menor a concentração de ácido málico no início do processo menor será o volume de ácido lático ao término da malolática.
Grande parte dos tintos passam pelo processo da malolática e alguns brancos, em que o enólogo quer dar corpo e textura ao vinho final, assim como nos vinhos base para espumantes. Alguns enólogos realizam o processo em todo o vinho, enquanto outros em apenas parte da bebida e há ainda os que inibem totalmente sua ocorrência. Essa é uma escolha estratégica feita de acordo com o estilo de vinho que deseja obter.
Vale ressaltar que a fermentação malolática resulta também em ligeira diminuição de cor nos vinhos tintos. Já os brancos perdem a frescura da fruta e ganham corpo, além da redução de sua acidez, fator de grande importância para esse estilo de vinho.
Indução da fermentação malolática
A fermentação malolática induzida é realizada ao término da fermentação alcoólica. Para induzi-la, a temperatura das caves ou dos recipientes deve ser elevada a 18°C e os tanques são inoculados com bactérias liofilizadas selecionadas, em geral da família dos Oenococcus.
A evolução da fermentação malolática é bastante delicada e deve ser monitorada. Caso não haja um controle rigoroso, o vinho, por tornar-se suscetível ao desenvolvimento de outros micro-organismos, pode ganhar características indesejadas, como aromas desagradáveis, com a proliferação de Brettanomyces, o conhecido “suor de cavalo”, por exemplo, e até compostos capazes de provocar reações alérgicas em algumas pessoas.
Entenda mais sobre as leveduras
Ao término da malolática é adicionado anidrido sulfuroso para deixar o vinho microbiologicamente estável, e assim não desenvolver bactérias indesejadas e não ter o risco de ocorrer uma outra fermentação na garrafa.
Fermentação simultânea: malolática e alcoólica
Nos últimos anos, vem crescendo a busca por alternativas de fermentação simultânea, onde a fermentação malolática ocorre conjuntamente à alcoólica. Em 2015, cientistas italianos publicaram uma pesquisa intitulada de “Together is better” (Tradução: Junto é melhor), onde discutem opções de inoculação de bactérias e leveduras conjuntamente.
A aplicação da fermentação simultânea tem se mostrado positiva para vinhos que tenham dificuldade em passar por um processo de fermentação malolática secundário. Por exemplo, vinhos com elevado teor alcoólico ou vinhos em condição delicada, como os sem sulfitos, que não suportem um longo período de estágio a temperatura elevada.
Outra tendência é a busca pela eficiência energética, em algumas regiões a manutenção do vinho acima dos 18º C pode demandar um gasto de energia elevado. A fermentação simultânea do vinho pode ser uma alternativa mais ecológica.
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